Adoção tardia

Adoção tardia, algumas considerações importantes

Neste artigo da série sobre adoção, vamos abordar as implicações da adoção tardia, que estão atreladas às preferências do adotante em relação ao adotado (perfil da criança).

Aspectos conceituais

De acordo com VARGAS (1998, p.35) “a palavra tardia é a qualidade utilizada para intitular a adoção de crianças maiores, sendo certo que, a adoção é tardia quando a criança possui idade superior a dois anos”.

No mesmo sentido, leciona WEBER (1998 apud Silva, 2009, p.31) “que consideram tardias as adoções de crianças com idade superior a dois anos, as quais possuem alguma independência do adulto”, como se alimentar sozinha, andar, ou seja, independência para realizar atividades básicas do dia a dia.

Entretanto há autores que consideram o termo tardio incorreto, visto que, remete a ideia de uma adoção fora do tempo adequado, o que ajuda a reforçar o preconceito (CARVALHO e FERREIRA, 2000 apud SILVA, 2009, p.35).

Para os fins desse trabalho, utilizamos o termo “adoção tardia” para referir à adoção de criança com idade superior a três anos. Em que pese autores como Vargas e Weber entenderem que a adoção de criança acima de dois anos é considerada tardia, conforme diálogo feito através dos dados atualizados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), verificamos no presente trabalho que a preferência dos adotantes são para crianças de até 03 anos de idade.

Sendo assim, embora haja divergência em relação a idade dos adotantes, entendemos que, assim como Vargas, no que concerne ao termo “tardia” que remete as crianças que foram deixadas para a adoção já mais velhas. Tais crianças têm menos chances de serem adotadas, tendo em vista que conforme dados do CNJ os adotantes preferem crianças menores, portanto, quanto maior é a criança, mais difícil é para ser inserida em um lar.

Assim, para fins desse trabalho, considera-se a adoção tardia quando a criança tiver idade superior a três anos de idade, tendo em vista os dados atualizados obtidos no site do CNJ.

Procedimento de adoção no Brasil

A adoção no Brasil é regulada pelo ECA com as alterações introduzida pela lei 12.010/2009 conhecida como Lei de Adoção, que revogou alguns dispositivos considerados desatualizados.

Ademais, tal lei buscou regulamentar questões como morosidade processual, busca pela família natural ou extensiva da criança e do adolescente e a unificação no cadastro de adoção.

A adoção está regulada a partir do art. 38 do ECA, que, também cuida dos procedimentos. Rerralte-se que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável.

O adotante deverá ter idade mínima de 18 anos, independente do seu estado civil. Todavia, caso haja uma adoção conjunta é preciso que os adotantes sejam casados ou que estejam em união estável reconhecida em cartório. Ademais, também é necessário que o adotante ou adotantes sejam no mínimo 16 anos mais velhos que o adotando.

Cumprindo todos os requisitos supracitados, o adotante deverá fazer o pedido através da via judicial. Vale ressaltar que, conforme o art. 43 do ECA, adoção será concedida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Após o cadastro feito na vara da infância e juventude, o procedimento é instaurado e o postulante passará a ter contato com a equipe técnica interprofissional, que é composta por psicólogos e assistentes sociais com a finalidade de avaliar e sanar todas as dúvidas concernentes à adoção. Assim como, informar todos os desafios que uma adoção irá trazer para aquela família e para a criança/adolescente.

Em seguida, após o estudo da equipe técnica interprofissional, o Ministério Público dará o parecer, favorável ou não. Posteriormente, o juiz apreciará os autos, e em decisão deferirá ou não a inscrição do postulante no cadastro de espera para adoção. Caso ocorra o deferimento, os dados do, agora, habilitado, irá para o sistema nacional devendo ser obedecida a ordem temporal da decisão.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a habilitação para a adoção é válida por até 3 anos, sendo certo que, quando estiver faltando 120 dias para findar o prazo é necessário que o habilitado procure a vara para renovação. Caso o pedido de habilitação tenha sido indeferido, faz-se necessário buscar informações para saber os motivos que levaram ao deferimento, o que ajuda a adequação para um novo processo futuro.

Assim sendo, após análise do poder público, sendo esta correspondente a todas as expectativas tanto do postulante quanto aos melhores interesses da criança, será concedida a permissão para a aproximação da criança e/ou adolescente. Essa aproximação é fiscalizada pela equipe técnica interprofissional e pelo Judiciário. Nesse estágio do procedimento é permitido que o postulante tenha contato com a criança ou adolescente visitando o abrigo ou realizando alguns passeios para que possam se conhecer melhor.

Desta forma, se todos os trâmites forem cumpridos com êxito a criança ou adolescente passará a residir com o pretendente e sua família e contará com o acompanhamento da equipe interprofissional. De acordo com o art. 46 do ECA, esse período é chamado de estágio de convivência, e poderá ter um prazo máximo de 90 dias podendo ser prorrogável por igual período, observadas a idade da criança e do adolescente.

Findo o prazo de convivência, os pretendentes terão 15 dias para propor a ação de adoção. Isto posto, o juiz apreciará as condições benéficas para o adotando, tais condições serão analisadas baseadas no princípio do melhor interesse, bem como através dos relatórios desenvolvidos pela equipe técnica interprofissional. Aqui faz-se necessário uma observação, tendo em vista o disposto no §2º do art. 45 do ECA.

Após todos os passos aludidos, a sentença será proferida e conforme o art. 47 do ECA, o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil.

Outrossim, de acordo com a mudança da lei já mencionada anteriormente, (Lei nº 13.509/2017), o prazo máximo para conclusão de adoção é de 120 dias, prorrogável uma única vez por igual período. Entretanto, conforme será demonstrado mais adiante, tal prazo quase nunca é cumprido, o que acarreta a morosidade no processo, bem como a violação dos princípios do melhor interesse e da prioridade absoluta.

Implicações sociais da adoção tardia

As implicações sociais referem as dificuldades que o adotando e o adotante enfrentam durante o processo de adoção. Uma delas diz respeito aos preteridos, ou seja, aqueles que são rejeitados em virtude de suas características físicas, ou porque têm algum problema de saúde físico e/ou mental.

Outra, diz respeito ao estágio de convivência onde a criança e o adolescente não conseguem se adaptar com a família substituta, o que em algumas situações ocasiona a devolução, gerando algumas frustrações, sobretudo para aqueles.

Insta salientar que, às vezes a não adaptação acontece por causa da falta de preparo dos adotantes, e em alguns casos, envolvendo até práticas de violência contra a criança.

Nesse sentido, leciona MACIEL (2018, p.281);

Muitas vezes temos a situação de os adotantes comparecerem ao juízo da infância para devolver a criança/adolescente, pois não possuem mais interesse em adotá-la. Diversas são as situações que ocorrem; diferentes são os motivos pelos quais o estágio de convivência é interrompido; como assim também são as consequências que esta interrupção acarreta para o adotando
Assim sendo, é oportuno analisar de forma mais aprofundada tais questões para que seja possível a compreensão dos dilemas que envolvem a adoção tardia.

Perfil da criança desejada

Conforme dados colhidos através do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) verifica-se que o Brasil possui mais de 46 mil candidatos habilitados para a adoção, ao passo que há 9.536 crianças aguardando por uma família.

É questionador o fato de termos quase cinco vezes mais o número de pretendentes do que de crianças e adolescentes aguardando para serem adotadas. Tal fato se dá em razão do perfil da criança que o adotante busca adotar, em especial, a idade e as características físicas. Por isso, importante utilizar dados obtidos nas páginas do CNJ e do Conselho Nacional de adoção (CNA).

A tabela abaixo refere-se apenas ao perfil da criança buscada pelos adotantes em razão da cor.

Tabela 1: Pretendentes habilitados em âmbito nacional

Título

Total

Porcentagem

Total de pretendentes cadastrados em âmbito nacional

46.094

100%

Total de pretendentes que aceitam crianças da raça branca

42.676

92.58%

Total de pretendentes que aceitam crianças da raça parda

38.675

83.9%

Total de pretendentes que aceitam crianças da raça amarela

27.482

59,62%

Total de pretendentes que aceitam crianças da raça negra

26.486

57.46%

Total de pretendentes que aceitam crianças da raça indígena

25.791

55.95%

Total de pretendentes que aceitam todas as raças

23.891

51.83%

Fonte: CNJ

 

Verifica-se que a preferência dos adotantes em âmbito nacional é de crianças brancas, sendo 92,58%, seguidas por crianças pardas com 83,9%, e, no que concerne as crianças que são consideradas preteridas em razão da cor, a tabela mostra que são as crianças indígenas e as crianças negras, com 55,95% e 57.46% respectivamente.

Com relação às crianças que se encontram aptas para a adoção, segue o quadro abaixo:

Gráfico 1 Total de crianças e adolescentes habilitadas para a adoção

 

Gráfico 1
Fonte: CNJ

O gráfico 1 revela a quantidade de crianças e adolescentes aptos para adoção separadas em razão de sua cor. Observa-se que há um número expressivo de crianças pardas, seguidas por brancas e negras.

Comparando esse gráfico com a tabela que mostra a quantidade de pessoas que possui interesse em razão da cor, percebemos que há 42.676 adotantes que procuram crianças brancas, e há 3.167 crianças brancas disponíveis para a adoção. O que daria aproximadamente 13 candidatos para cada criança branca.

Nesse sentido, pegamos o número total de pretendente que escolheu determinada cor e dividimos pela quantidade total de crianças aptas para a adoção. Assim, vamos ter os seguintes dados aproximadamente: 16 candidatos para cada criança negra, 8 candidatos para cada criança parda, 1526 candidatos para cada criança amarela e 991 candidatos para cada criança indígena.

Verificamos que há muito mais candidatos disponíveis para adotar do que adotandos, conquanto, em que pese essas crianças serem as desejadas por pretendentes, o fator da cor por si só, não enseja o interesse na adoção. Outros fatores também devem ser computados para a escolha do adotante, como a idade, quantidade de irmãos e a ausência de doenças físicas e mentais.

O gráfico abaixo, demonstra as preferências do adotante em relação a faixa etária:

Gráfico 2 Preferência dos pretendentes em relação a faixa etária

Gráfico 2
Fonte: CNJ

Identificamos que a maioria dos pretendentes à adoção querem crianças de até 03 anos de idade. Desta forma, consoante aos dados obtidos, e, tendo em vista o conceito apresentado por Vargas e Weber ao considerar a adoção tardia de criança maiores de 2 anos, encontramos uma contradição. Assim, faz-se necessário entendermos que, em que pese os autores terem abordado a adoção tardia relacionada a crianças maiores de 2 anos, hoje, considerando as análises dos dados atualizados, podemos considerar com base no CNJ que adotantes atualmente desejam crianças que possuem idade de até 03 anos. Assim, observamos um avanço pequeno, mas significativo no campo da adoção.

Conforme mostra o gráfico 2, a partir de três anos, há uma pequena oscilação entre as crianças de 4 e 5 anos. Todavia, quando o gráfico chega na idade de 6 anos começa a decrescer o que nos confirma a ideia de que quanto maior a criança maior será o grau de dificuldade para ser adotada.

A tabela abaixo apresenta a relação de pretensões dos adotantes considerando problemas de saúde, doenças físicas e mentais.

Tabela 2 Pretendentes habilitados que aceitam adotar crianças e adolescentes com problemas de saúde física ou mental

Total de pretendentes que aceitam crianças com HIV

2.482

Total de pretendentes que aceitam crianças com deficiência mental

3.006

Total de pretendentes que aceitam crianças com deficiência física

1.672

Total de pretendentes que aceitam crianças com qualquer outro tipo de doença

16.887

Fonte: CNJ

A tabela 2 nos mostra um panorama dos pretendentes habilitados que aceitam crianças e adolescentes com determinados tipos de doenças. Percebe- se que, se olharmos a tabela 1 veremos que os candidatos totais habilitados perpassam o total de 46 mil, sendo certo que, na tabela 2, por exemplo, os candidatos que aceitam crianças com alguma deficiência totalizam o percentual de 3,63% dos candidatos habilitados, ou seja, apenas 1.672 candidatos adotariam crianças e adolescentes com alguma deficiência física.

EBRAHIM (2001, p. 73-80 apud AMIM; MENANDRO, 2007, p.242) aborda
que “a cultura da adoção tem se expandido bastante com o objetivo de proporcionar um lar para crianças que não o têm, sem valorizar estereótipos como cor, gênero, idade, condições de saúde”.

No entanto, tal afirmação contradiz em certo ponto diante dos dados colhidos no site do CNJ, pois vimos que a valorização diante dos estereótipos ainda é muito presente no cenário atual.

Não obstante ter havido uma alteração de 02 para 03 anos no que tange à idade da criança desejada, os dados expostos, indicam escolhas (desejos) ainda muito marcantes feitas pelos adotantes, pois ainda prestigiam crianças brancas e sem doenças. Nesse sentido, AMIM; MENANDRO (2007, p. 242) dizem que “enquanto muitas crianças maiores continuam sem família, os candidatos à adoção registram pleitos de crianças pequenas”.

No mesmo diapasão, ensina WEBER (1999, apud AMIM; MENANDRO, 2007, p.247), que:

Em condições similares, segundo os quais a maioria absoluta dos adotantes coloca como condição principal uma criança branca, alguns aceitam uma criança até morena, e raramente é feita a opção por uma criança negra. A criança negra, na grande maioria das vezes, só não está excluída da preferência dos adotantes quando eles afirmam não ter preferências quanto à cor do filho adotivo.
Em muitos casos, o desejo de adotar crianças menores se dá pelo fato de a sociedade alimentar preconceitos quanto à adoção de criança maiores. EBRAHIM (2001, p. 73-80 apud AMIM; MENANDRO, 2007, p.242) diz que “esses pretendentes acreditam que poderão ter dificuldades na educação, afirmando que uma criança maior não aceitará os padrões estabelecidos por eles”. Por isso, preferem as crianças menores, pois para além da ideia que será mais fácil educá- las, as crianças maiores carregam consigo memórias e laços que tinham com a sua família natural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMIM, Isabela Dias; MENANDRO, Paulo Rogério Meira. Preferências por características do futuro filho adotivo manifestadas por pretendentes à adoção. 2007. p. 241-252. Disponível em:https://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/7653>. Acesso em: 20 nov. 2019.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

VARGAS, Marlizete Maldonado. Adoção Tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. E-book.

1 Conselho Nacional de Justiça – Cadastro Nacional de Adoção, Relatórios estatísticos. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf>. Acesso em: 13 nov. 2019.

2 Essa definição de prazo foi incluída pela Lei nº 13.509/2017, e encontra amparo no §2ºA do art. 46 do ECA: “§2A do art. 46: ” O prazo máximo estabelecido no caput deste artigo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária”. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 07 set. 2019.

3 Conselho Nacional de Justiça – Cadastro Nacional de Adoção, Relatórios estatísticos. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf>. Acesso em: 13 nov. 2019.

4 Conselho Nacional de Justiça – Cadastro Nacional de Adoção, Relatórios estatísticos. Disponível em:<https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf>. Acesso em: 13 nov. 2019.

5 CNJ, Id., 2019.

6 CNJ, Id., 2019

7 CNJ, Id., 2019.

 

Autora: LEICIMAR DA CONSOLAÇÃO MORAIS